Eu tenho um amigo João. Trabalhamos na mesma agência de publicidade. Sempre
quando queremos espairecer um pouco dos textos diários, vamos fumar um cigarro.
Hoje ele não me acompanhou. Os trabalhos estavam intensos e nossos horários não
combinaram para dividir a fumaça.
Em frente ao nosso trabalho tem um bar. Os andares de cima do prédio
onde fica o recinto são residenciais. Na sacada do primeiro, observei um casal
de senhores, possivelmente aposentados, compartilhando um chimarrão. Foi muito
bonito ver o senhor ajudando a senhora a tirar um cisco do olho, algo tão
terno, como aquelas propagandas de amor eterno que vemos em comerciais de
margarina. Só faltou um beijinho no rosto. Depois da cena, pensei: pena que o
João não está aqui para presenciá-la, ele ia se derreter.
Fiquei imaginando, enquanto ia queimando meu Marlboro, como seria a
vida desse casal, se ainda dormiam na mesma cama, se tinham filhos ou netos, se
durante esses anos nunca traíram um ao outro, se estão aproveitando a velhice
como se vende. Neste momento, bem de longe, ouvi: “porco dio!”. Acho que o
senhor, ao tirar a poeirinha do olho, acabou enfiando o dedão bem em cheio da
retina da senhora. Ela ficou brava. Pegou seu chimarrão e saiu da sacada. O
senhor abaixou a cabeça e a balançou de um lado para outro, já imaginando que
teria que arrumar a mesa para o café, pois ela não ia fazer nada para ele naquela
noite.
Não sei se vou chegar até a velhice e, muito menos, imagino que terá
alguém para tirar o cisco do meu olho. De toda a forma, isso não vem ao caso.
Quando observo sempre um casal de idosos, vem à minha cabeça uma canção dos
Titãs, que possui uma letra com sacadas ótimas. Diz assim: “Veja só o que
restou do nosso caso de amor. Uma casa com varanda e um jardim que não dá flor.
Uma geladeira cheia de comidas sem sabor. Um programa interminável diante do
televisor. Uma lâmpada queimada no lustre do corredor... O pensamento distante
para evitar a dor. O olhar tão desbotado que já não distingue cor... Velhas
rugas escondidas debaixo do cobertor. Saudades, indiferença, decadência e mau
humor. Tratamento respeitável de senhora e senhor”.
