quinta-feira, 10 de maio de 2012

Da série: Eu Tenho Um Amigo Chamado João


Eu tenho um amigo João. Trabalhamos na mesma agência de publicidade. Sempre quando queremos espairecer um pouco dos textos diários, vamos fumar um cigarro. Hoje ele não me acompanhou. Os trabalhos estavam intensos e nossos horários não combinaram para dividir a fumaça.

Em frente ao nosso trabalho tem um bar. Os andares de cima do prédio onde fica o recinto são residenciais. Na sacada do primeiro, observei um casal de senhores, possivelmente aposentados, compartilhando um chimarrão. Foi muito bonito ver o senhor ajudando a senhora a tirar um cisco do olho, algo tão terno, como aquelas propagandas de amor eterno que vemos em comerciais de margarina. Só faltou um beijinho no rosto. Depois da cena, pensei: pena que o João não está aqui para presenciá-la, ele ia se derreter.

Fiquei imaginando, enquanto ia queimando meu Marlboro, como seria a vida desse casal, se ainda dormiam na mesma cama, se tinham filhos ou netos, se durante esses anos nunca traíram um ao outro, se estão aproveitando a velhice como se vende. Neste momento, bem de longe, ouvi: “porco dio!”. Acho que o senhor, ao tirar a poeirinha do olho, acabou enfiando o dedão bem em cheio da retina da senhora. Ela ficou brava. Pegou seu chimarrão e saiu da sacada. O senhor abaixou a cabeça e a balançou de um lado para outro, já imaginando que teria que arrumar a mesa para o café, pois ela não ia fazer nada para ele naquela noite.

Não sei se vou chegar até a velhice e, muito menos, imagino que terá alguém para tirar o cisco do meu olho. De toda a forma, isso não vem ao caso. Quando observo sempre um casal de idosos, vem à minha cabeça uma canção dos Titãs, que possui uma letra com sacadas ótimas. Diz assim: “Veja só o que restou do nosso caso de amor. Uma casa com varanda e um jardim que não dá flor. Uma geladeira cheia de comidas sem sabor. Um programa interminável diante do televisor. Uma lâmpada queimada no lustre do corredor... O pensamento distante para evitar a dor. O olhar tão desbotado que já não distingue cor... Velhas rugas escondidas debaixo do cobertor. Saudades, indiferença, decadência e mau humor. Tratamento respeitável de senhora e senhor”.

E foi exatamente isso que percebi naquele momento em que observei aqueles senhores dividindo um chimarrão. Acho que o João analisaria da mesma forma, como se fosse uma música.