quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Os meus beijos mais sinceros


O calor está derretendo o pouco que sobrou da minha lembrança mais triste. Mas ainda bem que te encontrei. Foi culpa da areia do mar que soprou em meus olhos um sonho com você. Estou ficando brega, declarando exacerbadamente o amor que deixei fugir naquela rodoviária. A canção mais melosa e irritantemente apaixonada não sai do som. É a faixa sete daquele disco, de um cantor que eu sempre gostei, assim como a subjetividade que me invade. Não importa. Eu ainda posso te ver na lembrança daquele vestido azul que rodopiava e balançava até os pederastas. Continuo dizendo: ainda bem que te encontrei.
Quando você veio me oferecendo bebida, eu não neguei. Bebi a última gota. Então, eu te olhei. Você sorriu. Eu procurei. Você também. Eu te beijei. E você seguiu. A hora mais longa ficou mais curta e devorou o destino traçado pelo acaso da sua boca de lábios rachados. Mesmo assim, belamente provocantes. Não sei se você está entendendo o sentimento confuso e ampliado, mas os insetos que me causavam ânsia ainda estão no meu estômago. Não se preocupe, não foi você que os colocou. Foi a incerteza que me causou. E agora, ainda longe te vejo perto e te procuro quando perco o olhar no vazio. Acendo um cigarro. Bebo um teco. E encontro você. Realmente, estou ficando muito, mas muito brega. Está escorrendo pela tela no computador, não está vendo?
No mais, gira o mundo no avesso dos meses, tento emocionar o diabo e vou matando um filme por dia. Os longas-metragens são importantes nesse momento. Agora leia esse texto rápido, pois já irei tirar do meu about me.
Não tento mais me descrever. É algo complicado. Quando acredito que cheguei a algum estágio evolutivo, ocorre um retrocesso e o sucesso garantido para no fundo do copo de veneno. É claro que depois eu entorto e retorno ao desencontro do caminho. Mas, como na vida muitas coisas são dilemas, vou viver os meus. A Fiona Apple continua como bela companhia, sussurrando poesia e dedilhando canções junto ao piano. Minha amante perdida nas distâncias isoladas continua a procura pela resposta tão banal, quanto bela. Sim, eu a amo. E os livros vão tomando lugar na estante empoeirada. Proliferação de ácaros subversivos para as narinas mais sensíveis. Coisa de preguiçoso na ociosidade metafórica do dia-a-dia.
Mais um ano vai devorando o tempo da desgraça. Quem sabe seja diferente, como alguma canção do John Cale. Ou tenha beleza e idiossincrasia, como qualquer película do Bertolucci. Pensando no pior, pode ser a mesma coisa que continua e prossegue no ar que vai corroendo os pulmões. O Ministério da Saúde sempre adverte, mas a felicidade não se compra em lojas de conveniência. Nem é hit radiofônico, mas as canções sobre a tristeza vendem mais, geram mais, regam mais. É uma pena. E continua a lanterna dos afogados incompreendidos nas horas mais imprecisas da precisão da incerteza. E não se esqueça, eu te amo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O vidro arrebenta a cabeça / Que sangra amnésia / E um farol gritante registra / Algo que parecia esperança. O túnel apaga o feixo / Que iluminado ardia distraído / E a luz que do olho vaza / Apaga-se em discrepância.
Eram dois vizinhos. Um deles comprou um coelho para os filhos. Os filhos do outro vizinho também quiseram um animal de estimação. O homem comprou um filhote de pastor alemão. Conversa entre os dois vizinhos: 
- Ele vai comer o meu coelho! 
- De jeito nenhum. O meu pastor é filhote. Vão crescer juntos, "pegar" amizade... E, parece que o dono do cão tinha razão. Juntos cresceram e se tornaram amigos. Era normal ver o coelho no quintal do cachorro e vice-versa. As crianças, felizes com os dois animais.
Eis que o dono do coelho foi viajar com a família e o coelho ficou sozinho. No domingo, à tarde, o dono do cachorro e a família tomavam um lanche quando, de repente, entra o pastor alemão, com o coelho entre os dentes, imundo, sujo de terra, morto. Quase mataram o cachorro de tanto agredi-lo, o cão levou uma surra! Dizia o homem:
- O vizinho estava certo, e agora? Só podia dar nisso! Mais algumas horas e os vizinhos iam chegar. E agora?! Todos se olhavam. O cachorro, coitado, chorando lá fora, lambendo os seus ferimentos. - Já pensaram como vão ficar as crianças? Não se sabe exatamente quem teve a idéia, mas parecia infalível:
- Vamos lavar o coelho, deixá-lo limpinho, depois a gente seca com o secador e o colocamos na sua casinha. E assim fizeram. Até perfume colocaram no animalzinho. Ficou lindo, parecia vivo, diziam as crianças. Logo depois ouve os vizinhos chegarem. Notam os gritos das crianças. -Descobriram! Não passaram cinco minutos e o dono do coelho veio bater à porta, assustado. Parecia que tinha visto um fantasma. - O que foi? Que cara é essa? - O coelho, o coelho... - O que tem o coelho? - Morreu! - Morreu? Ainda hoje à tarde parecia tão bem. - Morreu na sexta-feira! - Na sexta? - Foi. Antes de viajarmos as crianças o enterraram no fundo do quintal e agora reapareceu! A história termina aqui. O que aconteceu depois não importa.
Eu tenho uma loucura que é só minha. Está agora, ali, repousando na cama, com uma respiração calma, com o dever cumprido. Tirou-me a tontura, o mal-estar de ter passado um dia transtornante, de pequenos deslizes de sanidade. Agora, o que pretendo, é essa insaciável vontade de admirá-la, de curtir cada detalhe dessa insanidade latente, que me faz pulsar quatro vezes mais rápido, que levanta minha alma, que libera meu orgasmo.
Algum exercício para tirar a mente desse marasmo. Algum tempo que valha para tirar esse relógio do estorvo. Algum fruto que sirva de melhor alimento do que a maça oferecida pela serpente. Alguma metáfora que contribua para a sobrevivência diária. Alguma canção que exploda com gratidão o meu tímpano. Algum político que além de promessas ofereça a prática. Algum conteúdo que nos encha de satisfação e nos faça caminhar pelo mesmo trilho. Algum problema que nos desencaminhe para o lado errado. Algum acerto que se mostre errado para provar que o correto às vezes é um grande saco incômodo. Algum soco no rosto que ajude a melhorar essa cara. Algum provérbio que seja citado erroneamente e influencie todos os estudantes retardados. Algum administrador que provoque o caos em uma grande empresa. Algum capitalismo para ressaltar que o modelo socialista não deu certo. Algum socialismo que apresente ao capitalismo como se deve seguir o momento econômico. Alguma frase confusa que faça pensar. Alguma conclusão nenhuma concluída em algo que nada se finde. Alguma classe desconexa que reverbere o ostracismo dos cânticos dos malditos. Alguma coisa que tenha de fato conteúdo. Algum beijo seu já está bom.
Entender as decisões humanas é complexo. Exige muito do encéfalo. Desnutre o corpo. Compreender aquilo que os outros julgam certo causa estafa. Sei bem o que é mudar de opinião e acho válido. Mas acerca do temperamento, talvez por ser um próprio alterno do sentimento, não matuto com clareza freudiana. De repente seja síndrome de pânico em estado bruto que não permite o raciocinar lógico.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta.
Coloquei a água para ferver e preparei o meu café.
Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos.
Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando.
O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença.
Não sou observador, confesso, muito menos sentimental,
Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei você.
Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem.
A fumaça do café se misturava com a do cigarro.
Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando,
Dos estranhos que acabo entregando intimidades,
Da moça da panificadora, do chuveiro estragado,
Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça.
E do roteiro que ainda insisto em não terminar.
Percebi que faz um ano. Como foi estranho.
O seu perfume adocicado já não mais está presente,
Seus discos de new wave eu já doei,
O anel, penhorei.
Não quero apavorar a sua paciência
No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas.
Se possível, cancele a assinatura.
Se não me quer passar o seu endereço, tudo bem,
Mas não desperdice mais dinheiro.
Nunca sei quando estou sendo melodramático, pior que novela.
Não se incomode, só queria dizer que ainda vivo.
Ainda tenho uma recordação sua: aquela foto.
Noite escura, boteco e cerveja. Lembra?
Foi a última. Agora fica saudade.