sábado, 18 de março de 2017

Sobre o que aconteceu numa noite em Pato Branco

O Brasil aumentou em cinco vezes a sua produção de lixo entre os anos de 2010 e 2014. Esse dado é o mais recente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O estudo da entidade, “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil”, aponta que quase nada se avançou com relação a períodos anteriores.

O diretor-executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho, comenta que isso aconteceu devido ao descompasso do crescimento populacional do país - algo em torno de 6% - e a geração de lixo, que ficou em 29% durante os quatro anos analisados. “A geração de resíduos está totalmente atrelada ao crescimento econômico. O aumento do lixo é reflexo de anos de bonança na economia. Tivemos uma curva ascendente maior até 2012. Agora, observamos um crescimento bem maior, reflexo da estagnação”, disse Filho.

O país, apesar de possuir leis bem elaboradas sobre resíduos, ainda sofre com serviços precários. Atualmente, os municípios necessitam ter aterros sanitários adequados. De acordo com a técnica em meio ambiente, Cláudia Lins, somente seis Estados (Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina) têm finalizado os seus planos de resíduos sólidos. “Nem a capital do país dá exemplo. Brasília é um patrimônio Cultural da Humanidade e tem o Lixão da Estrutural, o maior da América Latina, onde sobrevivem mais de dois mil catadores. Fica ao lado do Parque Nacional da cidade, cujas águas abastecem mais de 20% da população. Atualmente, a política nacional é investir em obras visíveis, como estradas, e desprezar o tratamento de resíduos. Ninguém está preocupado com o local para onde vai o lixo e o que será feito com ele”, destaca Cláudia.

Recentemente, após a realização de um encontro de jovens, em Pato Branco, na rua Manoel Ribas, veio a discussão pelas redes sociais e imagens de WhatsApp, o acúmulo de lixo deixado no local após o evento, organizado por estudantes da UTFPR. Opiniões negativas foram as que mais se destacaram, com classificações pejorativas, como “bando de porcos” e “arruaceiros”. Só que a visão limitada de algumas pessoas não percebe que o problema é muito maior do que isso. A questão é a produção cada vez menos consciente de resíduos que são jogados no meio ambiente.

Em qualquer tipo de aglomeração de pessoas, seja um show, uma Expopato, encontro de motos, festa da capela, se consomem produtos que são depositados nas lixeiras após o uso. Infelizmente, não apenas nelas, mas sim, no chão. Depois de uma apresentação de um artista, já foram conferir como fica, por exemplo, o gramado do Parque de Exposições? Tão pior quanto os registros divulgados e discutidos pelos canais de conversas on-line. De nenhuma maneira isso se trata de uma justificativa para o que vem acontecendo quando o evento é realizado em frente ao estabelecimento Devereda. O problema é a falta de percepção das pessoas em não enxergarem que já jogaram papel de bala, bituca de cigarro, embalagem de chocolate comido pelo filho, recibo de banco, copo plástico ou garrafas no chão. Essa falta de espelho acompanhada de um discurso de ódio é a sensibilização mais falsa e irritante que surge no meio cibernético, cada vez mais entupido de horrores, de falácias e de impropriedades sócio-perceptivas.

A diferença – e única – é que em eventos ali acima citados existe uma empresa ou entidade que é contratada para recolher toda a “porquice” deixada por nós, seres humanos pensantes e felizes de estarmos no topo de uma cadeia de outros animais, que hoje comemos repletos de elementos químicos de conservação e até de papelão em sua (de)composição. E esse é o mesmo lixo que segue para o aterro sanitário, independente da sua forma de produção, que acabou sendo recolhido pelo departamento de limpeza e não matou ninguém. Ao menos por enquanto, porque o seu acúmulo junto a natureza, poluirá ainda mais a área a qual foi destinada o fim dessa desenfreada consumação que, infelizmente, é necessária para gerar a comercialização e, assim, o emprego, o aumento de impostos, a continuação do mercado sistemático e econômico que temos hoje e que continuará para sempre.

Mas, o que ficará lembrado, é como esse tipo de evento prejudica as veias de uma cidade. Já visitaram a Trajano Reis ou a São Francisco, em Curitiba, depois de uma noite de sexta-feira? Acontece a mesma coisa, porém, é a semana toda, de todos os meses do ano.
O que muitos não verificaram, por não terem tido estado lá na noite do encontro na Manoel Ribas, foi a atitude de pouquíssimas pessoas que tentaram recolher tudo o que foi produzido, juntando como podiam as garrafas de bebidas e os copos plásticos. Esses indivíduos, louvavelmente, deixaram montes de resíduos próximos às lixeiras da rua e do container de reciclagem, cujas imagens entupiram a memória dos WhatsApp da vida, com o objetivo de facilitar o recolhimento dos profissionais que trabalham na limpeza pública. Adiantou? Não, apesar da dedicação, e comprovou aquele famigerado ditado popular: “uma andorinha não faz verão”.

Só que foram justamente esses registros que despertaram a ira da população, ou ao menos, uma parte dela. Em grupos de imprensa foram as que geraram discursos de horrores dos nobres comunicadores, com um vazio imenso que não serviria nem para preencher o jornal, o programa de rádio ou televisão mais sensacionalista do mundo. E essa será a pauta para o decorrer da semana, acompanhado de dizeres pífios, de opiniões de um jornal que tem profissionais mais capazes do que fazem, de TVs guiadas pela intuição abstrata, por assessores de imprensa preguiçosos e viciados na respiração comunicacional do lugar-comum e de rádios que fazem um julgamento derretido, porque é o que vai gerar mais manifestação popular. Essa visão míope do abrangente também deveria ser recolhida em aterros sanitários em perfeito acordo com a legislação. Isso que nem foi citada a ação policial que desviou duvidosamente o fluxo do tráfego da Avenida Tupi para a Manoel Ribas, tão quanto outro tipo de poluição que atrapalha os moradores dos arredores: a sonora (esses dois tópicos ficarão para uma vindoura oportunidade).


Enquanto isso, a ampliação do campo de visão perceptivo, de uma análise mesmo que simplória, se resume a um evento que incomoda pela produção do lixo (entre outros aspectos citados superficialmente). O mesmo que está em sua casa, em sua empresa, mas dentro de uma lixeira, que acabará tendo o mesmo destino do encontrado na rua, da mesma forma e produção desenfreada que é aterrado num país que gasta cada vez mais e tem a consciência de menos. Afinal, como mostra a Abrelpe, se a cada ano aumentar a produção em 29%, estaremos fadados a viver num ambiente como o da ficção, como o desenho “Wall-E”, da Pixar, quando robôs ficaram na Terra para limpar toda a porcaria que não teve destino, nem reciclagem correta, e os seres humanos foram viver no espaço e engordaram porque desaprenderam a andar e viveram à mercê dos favores de máquinas, essas sim, inteligentes que aprenderam com os erros dos homens. 

Leonardo Handa, com fonte do jornal O Globo